Cafundó parte da história real de João de Camargo (ex-escravo cuja trajetória passa pela Guerra do Paraguai) para fazer um retrato dos afrodescendentes e da religiosidade sincrética brasileira O longa traz Lázaro Ramos (de Cidade Baixa), Leona Cavalli (Amarelo Manga) e Leandro Firmino da Hora (Cidade de Deus) nos papéis centrais.. Natural da região de Sorocaba (SP), Camargo se deslumbra com o mundo fora da escravidão e se casa com uma mulher branca. Ele passa a viver entre o quilombo local e a construção de uma igreja onde realiza milagres, misturando a fé católica a influências africanas. A codireção de Clóvis Bueno se reflete no cuidado com a direção de arte e reconstituição de época, e a de Paulo Betti na direção de atores. Didático e com paisagens impressionantes, o filme é um documento precioso sobre a construção étnica e espiritual do povo brasileiro.
Lázaro interpreta João Camargo, que de tropeiro e ex-escravo se torna uma espécie de milagreiro, atraindo pessoas em busca de ajuda e despertando a ira da Igreja Católica. Após sua libertação da escravatura, o personagem vive numa sociedade em franca transformação. As mudanças políticas, sociais e culturais do final daquele século são de impacto enorme em sua vida.
O filme, porém, tenta dar maior destaque ao plano pessoal da vida de João, mostrando a sua transformação de ex-escravo a líder religioso capaz de atrair centenas de fiéis. Suas pregações e crenças são o reflexo claro do sincretismo que dá o tom à religião no Brasil, agregando elementos das raízes africanas com a cultura judaico-cristã.
O desejo de construir uma igreja nasce em João depois de um sonho, no qual teria recebido a missão de Nossa Senhora, São Benedito e de um anjo. A partir daí, ele funda a Igreja da Água Vermelha, e passa a operar milagres.
Cafundó cresce em interesse a partir de sua segunda metade, quando João se transforma num curandeiro. Betti e Bueno nunca oferecem uma explicação aprofundada para a transformação do personagem. Eles se mostram mais interessados em registrar episódios da vida do religioso, e, nesse sentido, constróem bons momentos - principalmente pela interpretação magnética de Lázaro.
Ainda que seja um filme de estreantes, Cafundó tem mais virtudes do que problemas, como as excessivas cenas de manifestação de cultura popular que pouco contribuem para o andamento da história. Mas toda vez que Lázaro entra em cena, é, no mínimo, instigante.